segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Zonas de exploração mineira
Menores obrigadas a abandonar escolas para se casarem e sustentar famílias




Nas zonas de exploração mineira de Mavuco-Chalaua, distrito de Moma e Sangage em Angoche, ambas na província de Nampula, menores são obrigadas a abandonar a escola para se casarem e ajudar no sustento familiar.
Encontramos Anita José Mamudo sentada debaixo de uma árvore, carregada com o seu filho nas costas. É uma menor de 13 anos de idade que vive maritalmente com um cidadão de nacionalidade congolesa na comunidade de Mavuco.
“Eu fui casada em 2012 em Fevereiro. Os meus pais trataram de tudo com o homem porque ele é o meu primeiro homem” – disse a menor, para depois acrescentar “agora que estou casada meus pais não sofrem muito porque eu possa ajudar a eles com o que o meu marido consegue lá quando vai comprar e vender as pedras preciosas”.
Anita Mamudo pouco se comunica em língua portuguesa, falando quase que exclusivamente emakwa e diz que “deixei de estudar quando o meu marido me casou porque ele disse que eu não posso ir a escola se não meus professores vão andar comigo”.
Ao falar da sua desistência escolar J. Brahimo se emocionou e deixou cair lagrimas porque “eu ainda quero estudar, mas como os meus pais decidiram que eu devia casar não posso-lhes contrariar”.
Uma outra menor que aceitou falar a nossa reportagem é Guida Paulo para quem “o casamento ajuda muito as nossas famílias porque eles ganham muita coisa com isso. Quando os nossos maridos vão para cidade trazem açúcar, óleo, sabão, casacos, calças e capulanas para os nossos pais”.
Com 16 anos de idade Guida Paulo é mãe de duas crianças e é casada com um cidadão nigeriano.
A situação destas duas meninas não é um caso isolado de casamentos prematuros em Mavuco, e em Sangage.
Entretanto, tanto o governo como as autoridades tradicionais não dispõem de números sobre casos de casamentos prematuros obrigatórios naquelas duas comunidades.

Líderes tradicionais admitem os factos
Os casamentos prematuros que constituem uma violação dos direitos da criança plasmados na Convenção dos Direitos da Crianças e nas demais leis nacionais sobre a protecção de menores são encorajados pelos líderes tradicionais, de acordo com informações avançadas à reportagem no terreno.
As autoridades governamentais estão preocupadas com o fenómeno e, apelam para que as pessoas tenham maior cuidado nestas situações.
No posto administrativo de Chalaua, precisamente na comunidade de Mavuco há menores casadas com garimpeiros e compradores de turmalina rose (um minério que corre na região) vindos de outros pontos da província e do país, bem como com estrangeiros, na sua maioria provenientes dos países africanos das regiões dos grandes lagos.
Segundo disse ao Canalmoz um líder tradicional em Mavuco “aqui as crianças quando saem dos ritos de iniciação devem se casar de imediato para diminuir a despesa na casa dos seus pais, por isso basta ter 11 ou 12 anos e se tornar mulher com a primeira menstruação deve-se se casar”.
O líder que nos pediu o anonimato avançou que “nós sabemos que não é correcto que as meninas se casem cedo, mas elas são umas formas de aliviar a pobreza nas famílias quando são casadas, primeiro porque quando elas saem de casas são menos despesas para os seus pais e, segundo porque quando já estão nas suas casas mandam um pouco de comida para os pais”.
Na localidade de Sangage, o régulo Curuchiwa disse a reportagem que “desde que os chineses e outros trabalhadores que vieram de fora para as areias pesadas aqui na comunidade muitas meninas foram casadas”.
Aquele líder tradicional afirmou que “os pais ganham muito dinheiro com o casamento das filhas e, alguns deles já construíram casas de chapa oferecidas pelos genros”.
Considerando uma situação anormal, o régulo Curuchiwa apela uma intervenção do governo no sentido de mudar o cenário.


Há muitos casamentos prematuros

A Solidariedade Zambézia, uma organização da sociedade civil que trabalha na área da criança em Nampula afirma que o número de casamentos prematuros é cada vez mais crescente.
Através do seu coordenador provincial, Manuel Conta, a reportagem ficou a saber que nas zonas de exploração mineira o número de casamentos prematuros é cada vez mais crescente e preocupante.
Manuel Conta disse ainda que “se por um lado as raparigas são usadas para casarem-se cedo, por outro lado, os rapazes também são obrigados a trabalhar como empregados domésticos”.


“Cerca da metade dos alunos nas escolas são raparigas”

Embora com a desistência da rapariga a frequência escolar para dar lugar ao casamento prematuro, o governo da província de Nampula através da direcção da Educação acredita que o cenário tende a crescer.
Dados oficiais das autoridades da Educação em Nampula indicam que “pouco mais de 45% dos alunos nas escolas são raparigas, facto que concorre para a equidade de género nos estabelecimentos de ensino”.
De acordo com o director provincial adjunto de Educação e Cultura em Nampula, José Óscar Chichava, a província está próximo de atingir a metade dos alunos com a frequência da rapariga, pois, há trabalhos não só para equilibrar o género, mas também para manter a rapariga.
Durante o ano passado de 2012, segundo disse Chichava no primeiro e segundo ciclo do ensino básico dos 823.892 alunos, 388.866 são raparigas, o que representava 47.2% do efectivo e no terceiro ciclo do ensino básico dos 124.409 alunos inscritos no presente ano e confirmados pelo levantamento de 3 de Março, 54 mil educandos são raparigas, o que equivale a 43.4%. Já no primeiro ciclo do ensino secundário geral dos 66.412 alunos, 26.906 são raparigas, correspondente a 40.5% e no segundo ciclo deste mesmo subsistema de ensino, dos 16.512 alunos, 6.302 são raparigas, equivalente a 38%.
Portanto, no ano passado a província de Nampula, inscreveu um total de 1.031.234 alunos e, destes 466.074 eram raparigas, o que corresponde a 45.9%.
Todavia, defende o director provincial adjunto da Educação e Cultura em Nampula que o aumento de número de raparigas nas escolas deve-se há vários factores resultantes das estratégias desenhadas pelo governo para o efeito, respectivamente a isenção de taxas no ensino básico e para os novos ingressos das 8ª e 11ª, estes últimos para as raparigas.
Chichava aponta também a distribuição gratuita do livro da caixa escolar, associado ao Apoio Directo as Escolas, que concebe numa das suas cláusulas a aquisição de material didáctico e uniformes para raparigas desfavorecidas, como sendo outros pressupostos que contribuem para que a rapariga permaneça e frequente a escola na província de Nampula.
A fonte está seguro que embora o número de raparigas nas escolas tendem a aumentar, os casos de casamentos prematuros também tendem a aumentar, estando a desistência a ser reduzida pelo facto de ser permitido a frequência de menores grávidas ao ensino.

“É preciso sensibilizar as comunidades”
Sem avançar números, a chefe do Gabinete de Atendimento a Mulher e Criança Vítimas de Violência Doméstica em Nampula, Adelina Matos disse ser necessário sensibilizar as comunidades para combater o fenómeno.
A fonte disse que os casamentos prematuros enquadram-se criminalmente no abuso sexual de menores, por isso “devem ser combatidos”.
Adelina Matos entende que a não denúncia de muitos casos de casamentos e gravidezes precoces por parte de pais e encarregados de educação deve-se a situação financeira e económica débil a que estão expostos.
“Não há muitas denúncias. Só se denuncia quando os pais não tiram benefícios dos casamentos de suas filhas. Em muitos casos as coisas terminam lá nas comunidades porque chegam-se a acordos dentro das famílias” – disse a chefe do Gabinete de Atendimento a Mulher e Criança Vítimas de Violência Doméstica.
A fonte apela aos pais e encarregados de educação para que denunciem casos desta natureza por estar a comprometer a saúde e o futuro das menores.
Os nomes reais das menores foram omitidos para preservar a identidade das crianças e em respeito à legislação moçambicana. 



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